Alentejo Sem Leis
Por razões desconhecidas, na 6º feira passada, às 5 da manhã, tropecei no polibã da casa de um amigo da minha amiga Cláudia e cai. Por razões ainda mais desconhecidas cai de nariz. E doeu. E muito. Uma dor tão fininha e desconfortável que nem deu para berrar e dizer duas ou três asneiradas bem potentes. Fiquei muda! Sem me aperceber como, estava afogada em sangue, numa casa estranha, onde dormiam uns amigos do amigo da minha amiga e sem água para limpar as poças.Por razões mais desconhecidas ainda mantive-me calma. E enquanto escorria sangue, sentada na mesa da cozinha, impotente, apareceram-me as amigas. As amiguinhas!! Ufa!!Agora já estou na cama. Que bom. Doi-me tanto o nariz e tenho tanto sono e estou tão cansada. Não me levanto mais! As amigas estão em cima do meu nariz. Ambas com ar de doutoramento em medicina (e especialização em otorrinolaringologia) balbuciam diagnósticos. Eu não oiço bem. A minha cabeça está a ser invadida pelos Arcade Fire e só oiço: “ alexander! – our older brother! – set out for! – a great adventure!”
Óh que grande merda! Resolveram levar-me para o centro médico de Odemira. “ Não vou!”, digo eu.
E lá vamos nós. As três para Odemira. No meu clio branco de mercadorias. Eu deitadinha no ombro da Ben, sem abrir a boquinha. A Cláudia a conduzir. Contente por não ter bebido. Benditos antibióticos!
Não estou a perceber! O que é que vou fazer para Beja? “Nem pensar. Não vou! Muito menos de ambulância!”. “Entra na ambulância”, diz a Cláudia. “ Deves ter o nariz partido, tens que fazer uma radiografia e aqui não têm equipamento. ....Oh que chatice! Só pode ir uma!Tenho que levar o carro para a Zambujeira. Ben vais tu?”. A cláudia está a organizar a cena. Bom...não tenho hipótese...resigno-me... e ainda heroicamente acrescento: “ deixem estar...deixem estar... eu vou sozinha...” . “ Oh pá ó Xana, cala-te!”...
Lá vou eu na ambulância para Beja, deitada na maca, com a Ben ao lado. Repetidamente dizemos uma à outra: “nunca tinha andado de ambulância!!”. Ao som de Arcade Fire adormeço profundamente.
Duas horas depois estou na entrada das urgências do hospital de Beja. Acordam-me. Levanto-me. Vejo uma cadeira de rodas. Espectáculo! Que bela cadeirinha!! Empurra! Empurra! Quero tudo a que tenho direito.
Olha o médico é espanhol. “Então? Não me atende?”. “Um momento cariño. Está a seguir!”
“Ora vamos lá ver isso. O que aconteceu?”. “Cai! Nem sei como! Na casa de banho, veja lá bem!”. “Bom... deve ter o nariz partido vai ter que tirar uma radiografia. Por favor leve-a para o raio X”.
Tantos corredores. E eu na minha cadeirinha. Já nem percebo nada.... “alexander! – our older brother! – set out for! – a great adventure!”…
“Vá! Encoste o nariz!” . “Olhe, não se engane que só tiro uma! As radiografias provocam cancro!”. A médica ri-se. “ Ri-te! Ri-te!”
Mais corredores. Quem? Um cirurgião? Para quê? “Olá. Boa –noite... olha que pequenino que é este cirurgião. EH EH EH que castiço! “Então boa-noite menina! Está cheia de sorte. Não partiu o nariz. Nem entortou. Só vai levar aqui uns pontos. Quer com anestesia ou a frio?”. “Quero a frio! Sinto-me forte!”.
“Ai! Ai! Que merda!” . “ Pronto! Já está!”. “ Ai ! Ai! “. “ Pronto. Agora é que já está!”. “Mentiroso!”. “ Vá...já está... quer uns comprimidos para tomar para as dores?”. “ Não! Apetece-me sofrer...”.
Bem! Que merda! Doeu-me tanto. Já não quero a cadeira de rodas! A Ben? “Onde é que está a minha amiga?”. “Está na sala da entrada”. Bom.. agradeço a simpatia do cirurgião e desato a andar, a passos largos. A rosnar, com o bombeiro, com a cadeira de rodas, atrás de mim, vou ter com a Ben, a minha companheira de ambulância.
“Já não preciso da cadeira, obrigada”. Então mas agora este não me larga? “ Tudo bem”, respondeu o bombeiro. “Mas tem que levar a manta. É da ambulância”.
Chego à sala da entrada. Olha a Ben. Está agarrada ao telemóvel, as usual... bem... está toda encarnada nos olhos... que ar de bêbada...agora é que estou a ver...
Já era de dia quando entrámos novamente na ambulância. Agora iam levar-nos a casa. Lá viémos as duas deitadinhas na maca. Eu vim meia acordada, aos saltos e aos pulos, por aquelas estradas fantásticas, boas, rápidas e cómodas. E sempre a ouvir “Arcade Fire” de fundo: “ Come on alex! You can do it! Come on Alex! There’s nothing to it! If you want something – don’t ask for nothing! – if you want nothing! – don’t ask for something! “.
O céu estava azul. O sol brilhava. E as miúdas regressavam à Zambujeira. Quando saímos da ambulância a alegria da bebedeira voltou. As duas acendemos um cigarro e, todas contentes e bem dispostas, fomos para casa, junto à falésia. “ O que tens aqui, Benedicte?”. E desatámos a rir. A Ben tinha um autocolante ao peito com o meu boletim clínico.
Quando chegámos a casa, gritávamos, falávamos ao telefone aos berros e riamo-nos tão alto que os amigos do amigo da minha amiga Cláudia, que dormiram todo este tempo, acordaram e pensaram que tinhamos acabado de chegar da night. Bem bebidas de uma noite bem animada.
No dia seguinte o dono da casa, o Zé Prazeres, atribuiu o sangue na casa de banho , espalhado pelo chão, lavatório e banheira, à Ben. Que estava com o período.
A autora agradece a simpatia: a não sei quem que me socorreu em Odemira, aos bombeiros da ambulância, ao bombeiro que pacientemente empurrou, durante todo o tempo, a cadeira de rodas, ao médico espanhol, à senhora do raio X, ao cirugião, ao Zé Prazeres por ter limpo a casa de banho sanguinolenta.
Agradecimento especial às amigas. Que tornaram este momento uma anedota.
6 Comments:
Uau! Alguém que teve paciência de ler este post imenso...
CATAMINAAAAAAAA!!!!!!!
pontos no nariz... bem sei como dói! Mas dá aquela pinta vivida, como uma cicatriz na cara! Vais ver, nunca mais ningúem se mete contigo!
Nunca mais minguém se mete comigo?? oh que grande merda...isso é pior do que ter os pontos no meio da tromba...
Hehehehe, belo relato. Estou morta para ver o novo design
Fucking tira uma photo... lol
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