sexta-feira, abril 07, 2006

Se não fosse tão naif...

Enquanto fumo o 2º cigarro do dia, na minha janela (sim! Agora tenho a melhor janela do escritório!) penso. Se fosse a gata cinzenta, que está no quintal da esquerda, para além de ser magra, podia estar a brincar com o cordel. E esfregar-me pelo chão ao sol. Se fosse o cão amarelado do quintal do lado direito, podia comer aqueles ossos soculentos, sem ter que trabalhar para os pagar. Se fosse a andorinha que está a fazer o seu ninho perto do telhado, podia voar e fartava-me de viajar de borla. Mas coitadas. As andorinhas esforçam-se à brava! Andam sempre aí, de um lado para o outro, à procura da Primavera, mas quando chegam ao sítio são têm é tarefas. Ora fazem o ninho, ora põem os ovos, ora arranjam comida para a família. Não têm descanso. Se eu fosse a árvore do quintal do cão, também não fazia nenhum o dia todo, mas vivia acimentada, entre prédios e ainda levava com os xixis em cima. Também poderia ser a toalha de banho que está no estendal. Mas só de imaginar, ter que limpar o rabinho da senhora que a estendeu... e se fosse o pardalito da velha do lado? Também faz pouco, só canta que nem um doido. Mas também é um desgraçado. Sempre para ali, engaiolado. E se eu fosse as flores dos canteiros da janela da frente? Não era mau... mas não dava, que sou alérgica a moscas, melgas, abelhas e a todos esses bichos manhosos ,que pensam que são pássaros, só porque têm algo similar a umas asas. E se fosse o escorrega de plástico, do puto que é dono do cão amarelo? Coitado do escorrega. Sofre tanto. Apanha com o cão, com o puto, com os pais do puto, com os amigos do puto, com a chuva. Já sei. E se fosse a bandeira de Portugal que, saudosistamente, persiste no ferro do varão do estendal? Mais outra angústia. Está toda ressequida. Já tem os dias contados. Quando chegar o Mundial cheira-me que desaparece dali e é trocada por uma novinha em folha, comprada nos chineses. Que gente é esta? Só têm tralha nos quintais. Afinal não quero ser nada disto. Só vejo cadeiras e vasos partidos, vassouras podres, chapéus-de-sol todos torcidos, bocados de metais, casotas, fogões, bancos, bidons. Tralha. Só tralha!
Já fumei. Esgotei o meu tempo para pensar nestas coisas.